A epopeia começa a 24 de Abril com uma ida ao dentista. A Leonor tinha um bocadinho de tártaro entre os dois dentes de baixo, uma vez que são ligeiramente espaçados, e como tártaro numa criança de quase três é coisa que nunca vi, levei-a comigo a uma consulta no dentista para ele a ver e também para ela se ir habituando ao dentista e a toda aquela maquinaria presente no consultório.
O dentista achou que aquele tártaro não era nada de especial, só tínhamos de continuar a lavar-lhe bem os dentes, passar o fio dentário (que já passávamos todas as noites) e mais tarde, quando fosse maior, poderíamos fazer uma limpeza. A certa altura sai-me a pergunta mais temida: “E a chupeta? Está a estragar os dentes?”. O dentista, pai de um filho quase da idade da Leonor, sorriu e mandou a Leonor abrir a boca, depois fechar e percebeu que o maxilar superior estava mais desviado para a frente do que devia e a conclusão foi óbvia: a chupeta estava mesmo a afectar o alinhamento dos dentes dela. Aconselhou-nos a tirar-lhe a chupeta de alguma forma, que ainda podia ser que se corrigisse naturalmente, caso contrário, poderíamos já começar a poupar para o aparelho mais tarde. Eu usei aparelho e sofri q.b. à conta disso, pelo que não queria que a Leonor sofresse o mesmo.
Chegámos a casa e conversei de forma séria com a Leonor sobre o facto de a “chupetinha” (como carinhosamente ela lhe chamava) lhe estar a estragar os dentinhos e que se eles ficassem estragados ela não ia poder comer (lancei logo o Ás de trunfo antes que ela deixasse de me ouvir), e que ela já ia fazer três aninhos e já estava crescida para usar a chupeta. Nesse momento ela disse-me que no dia seguinte ia ao Parque Verde e mandava as três chupetas (a cor de rosa, a verde e a do bigode) aos patos pequeninos. Desde o momento em que se mencionou que ela haveria de deixar a chupeta (há muitos meses que falávamos disso) ela sempre disse que haveria de as mandar aos patos do Parque Verde como a Camila (a Camila não mandou mas elas acham que sim).
No dia seguinte, 25 de Abril, o dia da Liberdade, o dia em que se comemoravam 43 anos do fim da ditadura portuguesa, a Leonor foi ao Parque Verde, e uma a uma, sem hesitar, com grande determinação, mandou todas as suas chupetas ao rio, onde estavam dois patos a descansar à sombra. Fizemos um vídeo porque foi uma atitude épica, a Leonor era muito agarrada à chupeta (em particular à cor de rosa), nunca a queria largar, chegava a dizer que queria ir para casa só porque a chupeta estava em casa. Nesse dia percebemos de que massa é feita a Leonor, é determinada, forte e corajosa.
Nos dois dias seguintes falou na “chupetinha” várias vezes, em particular nas situações em que lha costumava dar. Normalmente dizia-lhe que as chupetas estavam agora com os patinhos pequeninos que precisavam mais da chupeta do que ela. Uma das vezes mencionei que os patinhos estavam felizes com a chupeta, ao que ela me responde “mas eu estou triste…”. Continuou a pedir a chupeta, a perguntar por ela, mas ao fim de dois dias habituou-se ao facto de já não a ter e não voltou a falar mais no assunto. Acho que passou a dormir melhor porque como não tinha a chupeta não a perdia e depois não acordava à procura dela, o que foi uma vantagem. No entanto, passou gradualmente a fazer mais birras (este acontecimento poderá ou não estar relacionado com a falta da chupeta), e custa muito mais a acalmar-se sozinha, mas com o tempo ela vai saber acalmar-se e as birras hão-de desvanecer-se. Este episódio foi uma vitória, especialmente da Leonor.